Mulheres negras ocupam Brasília na 2ª Marcha por Reparação e Bem Viver, e Fórum Sindical reforça denúncia das desigualdades acumuladas pela escravidão
Milhares de mulheres negras ocuparam Brasília na 2ª Marcha por Reparação e Bem Viver, denunciando o racismo estrutural, a violência e a precarização do trabalho, e cobrando do Estado e do mercado políticas que garantam renda, trabalho digno, saúde, educação, moradia e futuro. Ao lado delas, o Fórum Sindical em Saúde, Trabalho e Direitos Humanos reafirmou que a luta antirracista é também luta por direitos trabalhistas, por reparação e por um projeto de país em que mulheres negras sejam reconhecidas como protagonistas do bem viver.
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Brasília viveu, nesta terça-feira (25), um dos momentos mais potentes do calendário de lutas de 2025. Dez anos após a primeira grande mobilização, mulheres negras de todas as regiões do país voltaram à capital federal para a 2ª Marcha das Mulheres Negras – Por Reparação e Bem Viver. O Fórum Sindical em Saúde, Trabalho e Direitos Humanos participou da marcha, que reuniu feministas negras, quilombolas, ribeirinhas, camponesas, perifericas, urbanas, trabalhadoras, organizações comunitárias e entidades sindicais para cobrar do Estado respostas concretas às desigualdades históricas que estruturam a vida da população negra provocadas pelo Estado brasileiro, instituições financeiras, empresas e demais atores do mercado que lucraram com a escravidão e a expropriação do povo negro.
A concentração começou por volta das 8 horas no Museu Nacional da República, onde foi lançado o Manifesto das Mulheres Negras 2025 e de onde as participantes seguiram em caminhada pela Esplanada dos Ministérios. O percurso representou, mais uma vez, a pressão direta sobre os poderes institucionais por políticas públicas eficazes que garantam dignidade, reparação e futuro para a população negra.
Ao longo do trajeto, faixas, cânticos e falas chamaram atenção para temas como racismo estrutural, violência de gênero, precarização do trabalho, falta de acesso a serviços públicos e a urgência de reparação histórica.
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, foi uma das principais porta-vozes da marcha. “Esse é um movimento que nos faz sentir muito orgulho. Nós estamos aqui pelo bem viver. Hoje é por todas nós, para que a gente definitivamente passe a pensar num projeto político voltado para a gente. Nós, mulheres negras, somos a base desse país”, afirmou.
Desigualdades que atravessam gerações
A mobilização deste ano ocorreu em um contexto marcado por números alarmantes. Pesquisas recentes do DIEESE, apresentadas durante as atividades da marcha, reforçaram a dimensão das desigualdades enfrentadas pela população negra no mercado de trabalho:
* O rendimento médio da população negra segue até 40% menor que o da população não negra. Mesmo com ensino superior, a diferença chega a 32%.
* A informalidade atinge quase metade dos trabalhadores negros: 45,2%. Entre as mulheres negras, o índice chega a 45,6%, revelando maior vulnerabilidade e menor proteção social.
*Quase 80% das mulheres do país estão endividadas e 63% dos lares chefiados por mulheres negras vivem abaixo da linha da pobreza.
* Apenas 33% dos cargos de liderança são ocupados por pessoas negras. A relação é ainda mais desigual entre homens: há um líder negro para cada 48 trabalhadores, enquanto entre não negros, a proporção é de um para cada 18.
* Nas 10 profissões mais bem remuneradas, negros representam apenas 27% dos ocupados. Já nas 10 ocupações com menores salários, são 70%.
* A subutilização da força de trabalho também tem cor: os negros são maioria entre informais, subocupados e trabalhadores com jornadas insuficientes.
* As perdas acumuladas ao longo da vida podem ultrapassar R$ 1 milhão para negros com ensino superior, reflexo da desigualdade persistente.
Esses dados, tradicionalmente divulgados em novembro, no marco do Dia da Consciência Negra, foram destacados para reforçar que a marcha não é apenas simbólica — ela denuncia um projeto de país que ainda nega direitos básicos à maioria da população.
Para a pesquisadora do Programa de Promoção à Saúde, Ambiente e Trabalho da Fiocruz (PSAT/FIOCRUZ), Francyslane Vitória da Silva, “As mulheres negras seguem enfrentando os maiores índices de violência, precarização e invisibilidade. Esta marcha é um grito para dizer que não queremos mais morrer — queremos ter nossos direitos respeitados, ocupar todos os espaços e viver com dignidade.”
Reparação agora e por bem viver
Durante os atos, lideranças do movimento negro relembraram que a primeira edição da marcha, em 2015, marcou um divisor de águas na luta por visibilidade e justiça para as mulheres negras. Dez anos depois, embora haja avanços, o cenário continua desigual, e a cobrança por reparação histórica permanece urgente.
A mensagem ecoou com força entre as participantes: não há bem viver possível enquanto mulheres negras forem as mais precarizadas no mercado de trabalho, as que mais sofrem violência, e as que têm menos acesso a renda, moradia, saúde, educação e oportunidades.
Para o Fórum Sindical, a marcha de 2025 reforça que a luta contra o racismo é também uma luta por direitos trabalhistas, por condições dignas de vida e por políticas públicas que reconheçam e enfrentem as desigualdades estruturais do Brasil.


