Erika Kokay: “Queremos vida no trabalho e vida além do trabalho”
PRÉ-CONFERÊNCIA


O trabalho que oprime rouba a vida” e “Queremos vida no trabalho e vida além do trabalho” — com essas frases contundentes, a deputada federal Erika Kokay sintetiza o apelo por dignidade e saúde no mundo do trabalho. Em um discurso firme, ela denuncia as múltiplas formas de assédio institucional, organizacional e interpessoal que adoecem silenciosamente milhões de trabalhadores(as). Sua fala convoca à resistência, à escuta e à reconstrução coletiva de um trabalho que não anule a subjetividade, mas que seja espaço de realização, cuidado e pertencimento.
Deputada Federal Erika Kokay fala sobre violência no trabalho e saúde do trabalhador
Em seu discurso, a Deputada Federal Erika Kokay, observa uma profunda crítica à estrutura contemporânea do mundo do trabalho, especialmente no Brasil, marcada por múltiplas formas de assédio e violência institucional, organizacional e interpessoal. Sua fala tensiona os limites entre o sofrimento individual e as determinações coletivas e estruturais, ao denunciar um sistema que mina a saúde mental, a dignidade e o tempo de vida dos trabalhadores e trabalhadoras.
Kokay inicia reconhecendo a multiplicidade dos assédios, denunciando a existência de um “assédio institucional” quando órgãos públicos ou instituições deixam de cumprir sua função constitucional e passam a atuar contra seus próprios princípios fundadores. Ela exemplifica esse fenômeno com a atuação da Fundação Palmares promovendo políticas racistas, ou de ministérios que deveriam proteger direitos das mulheres e do meio ambiente, mas que operam de forma antagônica. “Isso é um assédio institucional, é impedir que as instituições cumpram as suas funções precípuas”, afirma, evidenciando o uso do aparelho do Estado para deslegitimar direitos sociais.
A deputada avança em sua análise ao denunciar o assédio organizacional, que emerge das estruturas opressoras do trabalho. Este tipo de assédio, segundo Kokay, não depende apenas das relações interpessoais, mas está inscrito na própria forma de organização do trabalho, que impõe metas inatingíveis, regras ambíguas e critérios de avaliação contraditórios.
Ela destaca a perversidade de um sistema onde “em um determinado momento você é elogiado, e no outro, pela mesma ação, é criticado”, o que gera insegurança constante e um ambiente instável. Nesse cenário, a subjetividade do trabalhador é atravessada por cobranças que o desestruturam emocionalmente.
Ela não deixa de abordar também o assédio interpessoal, muitas vezes alimentado por uma cultura “sexista e patrimonialista”, onde relações hierárquicas se impõem de forma violenta sobre corpos racializados, femininos e dissidentes. Erika evidencia que os assédios atingem com maior intensidade “mulheres, população LGBTQIA+, pessoas negras e pessoas com deficiência”, reiterando a interseccionalidade das violências sofridas no ambiente de trabalho.
Ao denunciar a captura da subjetividade do trabalhador pela lógica do empreendedorismo e da autossuficiência, Kokay explicita o quanto o sistema individualiza o fracasso e a dor, atribuindo à pessoa a culpa por não “saber ser um bom empreendedor”. Com ironia crítica, aponta que “o trabalho com exploração virou uma dádiva”, desvelando como se promove a naturalização da precarização por meio de narrativas que prometem autonomia enquanto anulam direitos.
Na sua fala, também ganha relevo a noção de “assédio de segunda ordem”, conceito que surge quando quem se dispõe a testemunhar um caso de violência também passa a ser perseguido. A solidão de quem denuncia o assédio, o medo de perder o emprego, o silêncio cúmplice forçado pela cultura organizacional – tudo isso cria um campo de impunidade que agrava ainda mais o sofrimento do trabalhador.
Kokay articula essas dimensões com o tempo subjetivo e existencial do trabalhador, quando denuncia o “roubo do tempo” operado pelo trabalho intermitente e pelas novas formas de precarização. Ela chama atenção para a “síndrome da adolescência tardia”, expressão que utiliza para criticar o adiamento da felicidade e da realização pessoal para um futuro cada vez mais inalcançável: “Quando eu me aposentar, eu vou ser o que eu quero ser”.
Em sua análise, a suspensão do sonho é uma forma de adoecimento que alimenta a lógica do consumo imediato e impede o pensamento de futuro coletivo.
A deputada observa ainda que “nada do que acontece no mundo do trabalho fica no mundo do trabalho”, porque o corpo leva consigo as marcas da violência, da pressão, da repetição das jornadas que se arrastam. Sua crítica é contundente ao afirmar que o trabalho, que deveria ser fonte de vida, tem se transformado em um lugar de sofrimento e negação da subjetividade.
Por fim, Erika defende a aprovação da Convenção da OIT sobre assédio moral e sexual no mundo do trabalho, como instrumento fundamental para a reconstrução da dignidade no trabalho e para o fortalecimento da saúde mental dos trabalhadores. Sua fala é um apelo à recuperação do tempo, da escuta, da coletividade e da capacidade de sonhar: “Nós queremos vida no trabalho e vida além do trabalho”. Trata-se de uma convocação à ação coletiva, à organização sindical e à resistência contra a precarização – “porque o trabalho que oprime rouba a vida”.


